maio 16, 2009

E por falar no Centro...

E não é que somente depois de ler a postagem anterior, em que falei brevemente sobre o Mineirinho, é que percebi que cometi um pequeno deslize. Vejam só: fiz referência ao Centro, no título, e acabei esquecendo totalmente de abordar essa região, com a qual guardo uma relação toda especial. Daí que, portanto, farei dela a personagem desse texto.

Como disse anteriormente, nasci no Cambuci, mais precisamente no antigo Hospital Leão XIII. De lá, vivi com meus pais na Lapa, bairro em que passamos por dois endereços. E da zona oeste mudamos para praticamente o extremo da zona sul, quando fomos morar adiante de Santo Amaro.

As primeiras lembranças que me vêm sobre o Centro – pelo menos aquelas de que consigo me recordar – são dos pontos finais dos ônibus, de cor verde, na Praça do Patriarca. Nos finais de semana, saíamos da Lapa e pegávamos o ônibus rumo ao Centro. O roteiro, via de regra, era assistirmos à missa da manhã, ou na Catedral da Sé ou na Igreja de São Gonçalo, bem em frente à Praça João Mendes. Por sinal, a São Gonçalo, da ordem dos jesuítas, tinha padres japoneses e ainda tem uma missa, dominical, ordenada toda sob o idioma dos meus tataravós.

Aliás, cabe aqui uma correção. O passeio não era ao Centro, mas sim à cidade. Era assim que se falava quando eu era criança. Esse hábito preservei até os meus 15 anos. E olhe que a viagem da Lapa ao Centro não era demorada. Suponho que durasse, no máximo, meia hora – se é que durava tudo isso. De qualquer forma, naqueles áureos tempos, ir ao Centro (ou melhor, à cidade) era um programão para mim, especialmente porque as idas ocorriam frequentemente aos domingos.

Após a benção matinal, caminhávamos pela Praça da Sé. Era tradicional comprarmos sacos de pipoca para jogar aos pombos. Como também era tradicional a presença de lambe-lambes, que registravam para os pais e casais de namorados aqueles momentos dominicais. De lá, após alimentarmos os pombos, íamos à pé para a Liberdade, onde impreterivelmente almoçávamos em um restaurante de comida chinesa. Chamava-se Banri, e ficava na esquina das ruas Galvão Bueno e Américo de Campos. O restaurante acabou fechando – dando lugar a uma mercearia típica, mas por uma obra do acaso, reabriu recentemente, com uma feição mais adequada aos nossos tempos, mas procurando preservar o mesmo tipo de prato e de tempero.

O Banri foi, se não me engano, um dos primeiros restaurantes orientais do bairro, quiçá da cidade. Ficava no segundo andar de um sobrado. Tínhamos de subir uma estreita escada, toda forrada com pisos de borracha preto com motivos redondos. O corrimão era de madeira. As mesas e cadeiras também. A toalha era um baita de um plástico todo duro. Os garçons usavam camisa branca, apertada, gravata borboleta e calça preta. Todos magros. O que eu mais gostava – além da comida, cujo cardápio sempre ficava em yakissoba, carne com cebola e carne com broto de feijão, tudo cozido no molho shoyu – era de um aquário, sujo diga-se de passagem, que ficava bem no caminho para os banheiros.

Abastecidos (era praxe quase sempre sobrar comida, que levávamos para casa), percorríamos a feira da Liberdade. Que naquela época praticamente tinha somente expositores orientais. Às vezes, o passeio incluía uma sessão de cinema, normalmente na parte da manhã, na sala Cinespacial, que ficava na Avenida São João. Lembro-me que esses passeios de final de semana eram sempre feitos de um modo lento, sem pressa alguma. Eu corria pelo Centro, pela cidade. Principalmente na volta, quando fazia questão de correr até o ponto de ônibus. Talvez a vida tivesse outro ritmo...

Outra imagem do Centro, que não me esqueço, eram das compras, na maior parte das vezes com a minha mãe, no Mappin. Visitar o Mappin era algo sagrado. Comprávamos de tudo lá: roupas, utensílios domésticos (essa era um dos andares que eu preferia fugir, pois não tinha muita paciência ao ver minha mãe percorrendo todas as prateleiras, atrás de algum produto novo), brinquedos, material escolar, livros, cosméticos femininos etc. Era um verdadeiro tour pela loja. Nada de ida a shopping center, o que fazíamos era percorrer as prateleiras do Mappin.

Tinha ainda a feira de artesanato da Praça da República, as caminhadas pelos calçadões da Xavier de Toledo, da Sete de Abril, da Barão de Itapetininga, da 24 de Maio. Aliás, na 24 de Maio ficava a Mesbla, que fazia concorrência ao Mappin. Era sempre assim: se a gente não encontrasse o que queria no Mappin, íamos à Mesbla.

Tudo na minha casa, durante a infância, e mesmo na adolescência, circulava ao redor do Centro. Médico, dentista (o consultório da Dra. Tânia, que ficava, ou melhor, que ainda continua na Xavier de Toledo, em um antigo prédio), compras, diversão... Talvez seja daí que venha a minha predileção pelo Centro. Hoje, ainda continuo frequentador de lá. Os motivos até mudaram um pouco, é verdade. Mas sempre me dá uma sensação de pertencimento andar por lá. Belo, feio, sujo, abandonado em alguns e muitos pontos e revitalizado em outros. Assim é essa região. Gostar ou não, eis a questão. No meu caso, a resposta parece óbvia.

abril 30, 2009

Mineirinho e o centro de São Paulo

Decidi que, para não provocar ciúmes entre as possíveis personagens que vão figurar por esse blog, a primeira história a ser retratada é a de um garoto, acho que com seus 16 anos. Talvez tenha até mais. Porém, como nunca lhe perguntei a idade e nunca mais o encontrei, corro o sério risco de errar feio. De qualquer forma, o que interessa é contar o pouco do que vi e conheci do Mineirinho. Aliás, percebo agora que nem o nome dele eu sei.

Mineirinho costumava frequentar as ruas do chamado Centro Velho. As ocasiões em que cruzei com ele estão relacionadas às minhas idas à antiga sede do Sindicato. A saber, Sindicato é um grupo de fiéis amigos, sobre os quais pretendo falar em outra oportunidade, que se reúnem, via de regra, na região central.

Pois bem, a tal sede era um bar, mais para boteco, que ficava, ou melhor, fica dentro de um dos corredores-galerias entre as ruas Barão de Itapetininga e 24 de Maio. Costumávamos ficar nos abastecendo com copos e mais copos de cerveja, aproveitando para relaxar após mais um árduo (às vezes nem tanto assim) dia de trabalho. E era lá que encontrávamos o Mineirinho. Por sinal, olha só que coisa, não sei nem ao menos explicar qual a razão do seu apelido...

Franzino, negro e de fala mansa. Sempre com um sorriso. Era um rapaz bem tranquilo. Morador de rua. Vinha sozinho. Costumava andar com um caderno, se não me engano, uma brochura, em que escrevia, acreditem, os locais por onde passava. Ou melhor, as viagens, a pé, que fazia. E, pelo que me lembro – e aí, me perdoem, mas o teor etílico sempre era constante nas reuniões do Sindicato; daí a falta de detalhes –, eram quase sempre longas caminhadas, incluindo idas a outros estados.

Mineirinho não fumava. Sequer pedia dinheiro. Ele gostava de mostrar o caderno, com as anotações das viagens. Lembro-me de uma ocasião em que um dos meus amigos ofereceu-se para lhe pagar um lanche. Ele não quis. Disse que já havia comido e que, por isso, não havia necessidade, pois isso seria jogar dinheiro fora. Ou seja, ele tinha uma ética toda particular: a de nunca pedir as coisas sem que houvesse necessidade. E mesmo quando tinha, éramos nós quem lhe oferecíamos. Caso contrário, ele não falava nada. Nem que estava faminto. Recordo de outra ocasião em que um dos balconistas do bar deu um tênis para o garoto. Que, é claro, ficou contente com o presente. Usado ou não, ele guardou dentro de uma sacola plástica o par de tênis. Que, acho, deve ter sido usado em uma dessas andanças dele.

Desde que o Sindicato mudou de sede, não vi mais o Mineirinho. Espero que ele esteja bem. Aliás, prometo para mim mesmo que, se o reencontrar, vou querer saber mais da sua história e, claro, das histórias das suas viagens e das que ele deve ter visto ao longo de suas jornadas. Ah, sim, e tomar nota do verdadeiro nome dele.

abril 28, 2009

Introdução para um breve início...

Depois de muito tempo, eis que começa aqui a minha estreia no mundo dos blogs. A ideia é a registrar as (boas) histórias que estão presentes em nosso dia-a-dia. E que, por conta da demasiada correria a que estamos submetidos, acabamos, por vezes, não dando o devido valor.

Como início, julgo pertinente passar aos leitores (espero que hajam!) um perfil, ainda que não necessariamente em ordem cronológica, deste autor. Pois bem, tudo começou em maio de 1973, sob o signo de Gêmeos e ascendência em Áries. No horóscopo chinês, faço parte dos representantes nascidos sob a égide do boi.

Sou descendente de japoneses – na verdade, neto, ou o que se costuma dizer, na língua natal dos meus ancestrais, um genuíno sansei (descendente da terceira geração). Filho único, tive uma educação razoavelmente rígida. Não domino o idioma oriental, mas por incrível que pareça, compreendo algumas coisas. Freud explica, quem sabe... O fato é que isso é decorrência da (pouca) convivência que tive com minha avó materna, que sempre se comunicava em japonês, embora ela entendesse o que nós, netos, falávamos em português.

Minha mãe sempre teve, como lema, colocar em primeiro plano a minha educação e os cuidados com a casa e o meu pai. Lembro-me ainda criança que ela era do tipo que preparava, religiosamente, todas as manhãs, a marmita do marido e, à noite, fazia questão de esquentar o jantar de papai. Minha mãe trabalhou com costura – chegou, inclusive, a trabalhar em oficinas de costura, o que acabou sendo interrompido por um motivo peculiar que pretendo abordar em outra ocasião.

Meu pai é contador. Ele se formou em Ciências Contábeis, já com um filho pequeno para criar. Trabalhava em um escritório de contabilidade, cujo dono viria a ser, posteriormente, meu padrinho – o sr. Osvaldo da Silva. Aliás, daí o origem do meu segundo nome (Osvaldo). Por sinal, eu e meu pai nos chamamos Jamir, e esta escolha se deve totalmente ao meu avô.

Em matéria de esporte, papai é corintiano, daqueles típicos. Eu, por outro lado, torço pelo São Paulo. Recentemente, meu pai, que há tempos gosta de caminhar e, principalmente, correr na pista de cooper do clube, passou a participar de competições. Isso fez com que ele, que sempre procurava fugir de qualquer tipo de consulta médica, passasse a tomar um cuidado melhor com a sua saúde, fazendo exames periódicos. O que foi muito bom para quem sempre gostou de comer muita carne vermelha, preferencialmente as mais gordurosas e muito mal passadas.

Passei minha infância, adolescência e parte considerável da minha vida adulta no seio de uma típica família de classe média. Carro (um velho fusca azul, todo reformado e, ironia, também de 1973) fomos ter quando eu já estava com meus 12 anos – ocasião em que meu pai tirou carteira de habilitação.

Nasci no Cambuci. Ficamos um tempo ali, alternando-se com os cuidados de meus avós paternos e dos meus pais – que na época trabalhavam fora. De lá fomos para a Lapa. Da Lapa (ocasião em que mudamos por duas vezes de endereço) para Santo Amaro, onde passei cerca de 24 anos. De lá, fui para a Praça da Árvore – ocasião em fiquei hospedado na casa de um grande amigo, jornalista, por cerca de um mês. E daí para o apartamento, alugado, na zona oeste de São Paulo, bem próximo à região central, onde me encontro até hoje.

Estou solteiro. Nunca fui muito de namorar, mais por conta, talvez, de falta de amor próprio e por ter uma tremenda timidez. Cresci sob forte influência da minha mãe. Estudei em escola pública e particular. Fiz cursinho pré-vestibular e me formei em Jornalismo pela PUC-SP. Anos mais tarde, passei na USP, em História, porém acabei largando o curso após um semestre. Depois de mais alguns anos, consegui concluir uma pós-graduação na USP, em Gestão de Processos Comunicacionais, na ECA. Nessa ocasião, ganhei uma bolsa integral por ter obtido o primeiro lugar no processo seletivo.

Eis um grande, resumo, da minha trajetória que pretendo retomar em outros momentos, quando julgar necessário. Lembro que a razão do blog, como disse anteriormente, é o de tentar registrar as histórias que estão ao nosso alcance. Histórias de vida, de amor, de raiva, de erros e acertos, de paixões, das nossas mazelas e alegrias, de pequenas e grandes traições... enfim, a história dos vários Joões, Josés e Marias que existem ao nosso redor. Talvez isso seja um pouco de vício (ou quiçá paixão) de jornalista, que sempre está à procura de boas histórias e de bons personagens. Dentro do possível, os relatos serão verídicos. Se for o caso, os nomes das personagens poderão ser trocados, para evitar eventuais constrangimentos. Enfim, aqui está o início desse blog . Eis, aqui, senhores e senhoritas, o colecionador de histórias.